29/09/2015 - Revista Época

A conta vai sobrar para você de novo

Apesar de o Brasil ter a maior carga tributária entre os países emergentes, o governo prepara um novo aumento de impostos, em vez de fazer a lição de casa e cortar gastos

Desde sua indicação pela presidente Dilma Rousseff, em novembro de 2014, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem sido um defensor incansável do corte de gastos do governo. Deve-se dizer também, a seu favor, que ele jamais negou que, além de cortar despesas, o governo poderia recorrer ao aumento de impostos para tirar as contas públicas do vermelho. “Possíveis ajustes em alguns tributos serão também considerados”, disse Levy em sua primeira entrevista coletiva como comandante da economia, em janeiro.

 

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Com um rombo considerável no Orçamento, reconhecido formalmente por Dilma no final do ano passado, era até previsível que o aumento de impostos acabasse mesmo acontecendo. O que talvez não se esperasse era que a tungada fosse se tornar, mais uma vez, a principal âncora do ajuste fiscal do governo – uma fórmula usada tantas vezes no passado recente e nem tão recente assim, com resultados perversos na economia do país. Em vez de se concentrar em apertar o cinto, como seria desejável, o governo deverá repassar novamente a maior parte da fatura aos contribuintes. De um jeito ou de outro, os pagadores de impostos sempre acabam pagando a conta quando falta dinheiro para cobrir as estripulias oficiais. “Já cortamos tudo o que podia ser cortado”, disse Dilma, no começo do mês, ao ser questionada sobre a realização de novas reduções de gastos.

 

Até Levy, conhecido como “Mão de Tesoura” por sua disposição de cortar gastos, parece ter se convencido de que, pelo lado das despesas, dificilmente conseguirá alcançar seu maior desafio, de reequilibrar as contas públicas e recolocar o país na trilha do crescimento. Diante das dificuldades encontradas por ele para cumprir a sua missão de enxugar os gastos, como revela a afirmação de Dilma, Levy passou a apoiar sem cerimônia a elevação dos impostos no país. Chegou a defender a volta da CPMF – o imposto do cheque –, quando o governo já anunciava que havia desistido da ideia. Mostrou-se sensível até ao aumento do Imposto de Renda das pessoas físicas, alegando que as alíquotas são relativamente baixas no Brasil, em comparação com as dos países desenvolvidos. “É uma coisa para a gente pensar”, afirmou Levy no início do mês, em Paris, onde participou de uma reunião na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ele parece ter se esquecido de que os impostos em cascata incidentes sobre produtos e serviços no país são bem mais altos que lá fora.

 

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O governo bem que tentou dividir a responsabilidade com o Congresso Nacional, para não sofrer sozinho o desgaste político das mordidas tributárias – chamadas por Dilma de “remédio amargo”. No final de agosto, enviou ao Congresso a proposta de Orçamento para 2016, com um deficit de R$ 30,5 bilhões, o equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), em vez do superavit de 0,7% do PIB prometido no início do ano. Mas o presidente do Congresso, Renan Calheiros, e o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, ambos do PMDB, não caíram na armadilha oficial. “Cabe ao governo encontrar as soluções, seja através do corte de gastos ou de melhoria do ambiente para aumentar a receita”, disse Cunha. “Cabe ao governo encaminhar a proposta de superação fiscal”, afirmou Calheiros, como se fizesse parte de um jogral com Cunha.

 

Confrontado com a resistência do Congresso em assumir um papel que, no regime presidencialista, é essencialmente do Executivo, o governo ficou com a batata quente na mão. Pouco disposto a promover novos cortes, além dos R$ 70 bilhões já desbastados em 2015, decidiu livrar-se do problema fiscal do jeito mais fácil – o aumento de impostos. Além do IR e da própria CPMF,o governo estuda a unificação do PIS/Cofins, que deverá rechear os cofres públicos em cerca de R$ 35 bilhões por ano. Poderá também elevar tributos que não precisam passar pelo Congresso, como o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a Cide, cobrada sobre o consumo de combustíveis, cuja alíquota já fora aumentada de R$ 0,07 para R$ 0,22 por litro no começo do ano.

 

A questão é que a carga tributária já está roçando os 36% do PIB, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a maior entre os países emergentes.Só em 2014, a tungada alcançou R$ 1,94 trilhão em tributos, segundo o Impostômetro, divulgado pela Associação Comercial de São Paulo. Embora Levy tenha afirmado que “se tiver de pagar mais impostos a população vai estar preparada”, há uma resistência cada vez maior da sociedade a pagar o custo do ajuste. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular, 72% dos brasileiros acreditam pagar muitos impostos e 69% dizem não ver retorno nos impostos que pagam.

 

O presidente da Mercedes-Benz no país, Philipp Schiemer, considerou “atrevido” o governo falar em aumento de impostos. “Se for necessário, temporariamente, tem de mostrar como isso pode ser revertido nos próximos anos”, afirmou. Numa nota, a Fiesp e a Fierj, as entidades que reúnem as indústrias de São Paulo e do Rio de Janeiro, criticaram o apetite tributário do governo. “O país repudia com ênfase novos aumentos de impostos. A sociedade não aguenta mais pagar a conta da incompetência do Estado”, diz a nota, assinada pelos presidentes da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, e da Fiesp, Paulo Skaf.

 

Nos últimos meses, Levy perdeu espaço para os ministros Nelson Barbosa, do Planejamento, e Aloizio Mercadante, da Casa Civil, que compõem com ele o núcleo econômico do governo e defendem cortes menores no orçamento. As divergências no núcleo econômico e a falta de comprometimento do governo com o ajuste fiscal reforçaram a decisão da Standard & Poor’s, uma das principais agências de classificação de risco, de retirar do país o grau de investimento, obtido em 2008. “Ou há um sinal claro de que não há risco de deterioração no quadro fiscal ou não há empresário algum que vá investir”, afirma o economista Otaviano Canuto, diretor executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI).

 

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De repente, após o rebaixamento da nota brasileira, como se houvesse se transformado da noite para o dia, Dilma passou a cobrar agilidade no corte de gastos e unidade da equipe econômica. Ela também passou a defender o cumprimento da meta fiscal de 0,7% do PIB (antes do pagamento de juros da dívida pública) para 2016, em vez do deficit previsto na proposta que ela mesma enviou ao Congresso. O grosso da tesourada deve vir da Previdência Social, responsável por mais da metade das despesas do governo. Só que a reforma na Previdência depende do Congresso, onde a “base aliada” está em frangalhos. O governo deverá reduzir os gastos com licença médica de servidores, diminuir o número de ministérios e cargos de confiança e promover cortes em programas assistenciais,com o seguro defeso, voltado para pescadores, e o Pronatec, o Ciência Sem Fronteiras e o Fies, de financiamento estudantil.

 

Isso não será suficiente, porém, para cobrir o rombo nas contas públicas. Até o fim do mês, de acordo com Levy, deverão ser anunciadas as medidas de aumento de impostos, para complementar o pacote. Depois de abrir uma cratera fiscal no país, Dilma deveria ter prestado mais atenção nos alertas de Levy sobre a gravidade do cenário. Se tivesse tomado as medidas necessárias, para dar um sinal claro de comprometimento com o corte de gastos, provavelmente o Brasil não teria perdido o grau de investimento. Nem haveria tantas dúvidas dos investidores em relação ao futuro do país. Mas, como já aconteceu antes, Dilma prefere sempre pagar para ver. O problema é que, no final, ela vê e a gente paga.